O TRIÂNGULO DAs MUDANÇAs

ativismo, fé e juventudes em meio à luta pelo clima

As alterações climáticas são causadas pelo aumento na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, que têm a capacidade de reter o calor, elevando a temperatura média do planeta. Em todo o mundo, grupos se formam e tentam pautar o debate sobre a mitigação das consequências para as gerações futuras. Entre eles, três jovens do Nordeste, Sul e Sudeste encontraram na religião razões para enfrentar uma crise de escala planetária

Com a mão levantada, Amanda Costa, referência jovem do ativismo climático no Brasil. Foto: Victor Bravo / Greenpeace.

Crianças, adolescentes e jovens formam o grupo mais vulnerável aos riscos climáticos e ambientais. O impacto atinge também os mais idosos, mas aumenta ao decréscimo de idade. É o que revela o relatório de 2022 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) - Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil - e também o Atlas das juventudes, de 2021. Os jovens possuem a menor responsabilidade pela degradação socioambiental e são os mais afetados por ela. O resultado? Crescentes manifestações por justiça climática. Como nativos digitais, dão ideias, pautam parte do debate público e mobilizam massas em rede. São ativistas, e alguns, antes disso, pessoas de fé. Nas múltiplas religiões, sentem falta do papel institucional na conscientização socioambiental dos fiéis. Sejam abraâmicas, de matriz africana ou outras, quase todas as crenças têm em comum, na sua origem, a relação com o meio ambiente. Alguns jovens, conscientes dessa força para pautar o debate público, unem ativismo climático e religião. Fenômeno? Movimento? Ainda é cedo para dizer, o que não significa ignorar o fato.

A crescente produção e consumo de plásticos, a queima contínua de combustíveis fósseis e práticas não sustentáveis na agropecuária, somadas à degradação das florestas, estão levando o planeta a um ponto de não retorno, aponta o último relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Como resultado das atividades humanas predatórias, a temperatura média da atmosfera e dos oceanos está aumentando e a urgência da crise climática se acentua. Em 2015, durante o Acordo de Paris, as nações se comprometeram a limitar o aquecimento global em até 2°C (no ideal de 1,5°C) acima dos níveis pré-industriais. De acordo com um estudo publicado em 2022 pela revista Proceedings of the national academy of sciences, hoje [nos anos 2020] o aumento da temperatura média corresponde a 1,2°C.

O sexto relatório de avaliação (AR6), do Painel intergovernamental sobre mudanças climáticas (IPCC), revela que, caso a temperatura do planeta atinja um aumento de 2°C, aproximadamente 1,15 bilhão de pessoas estarão expostas ao estresse hídrico, estresse térmico e desertificação. Além disso, o custo global para garantir a segurança alimentar e adaptação por danos residuais às principais culturas (milho, trigo, arroz, soja, cana-de-açúcar, cevada e outros) será de aproximadamente US$ 80 bilhões (ou 390 bilhões de reais). O documento também alerta que 18% das espécies terrestres estarão em alto risco de extinção e haverá perda de todos os recifes de corais.

Incêndio em área recém-desmatada, em Porto Velho, Rondônia. Foto: Christian Braga / Greenpeace.

"Já estamos presenciando extremos: altas temperaturas, secas prolongadas, fortes tempestades, derretimento das calotas polares e inundações urbanas e costeiras", conta Eloy Casagrande, doutor em Engenharia de Recursos Minerais e Meio Ambiente, coordenador do Escritório Verde da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e professor na mesma instituição, em Curitiba, Paraná. O conceito "emergência climática" foi adotado pela ciência e demonstra a gravidade do problema, que teve sua origem por volta de 1850, nas barbas da Revolução Industrial. Mas ao entrar na pauta, oferece um extenso glossário, que inclui termos como “colapso climático”, “desequilíbrio ambiental”, “racismo e justiça ambiental”, “ecocídio” e muitos outros, o que reflete a complexidade do tema.

A discussão sobre racismo ambiental e justiça climática se tornou o principal foco dos movimentos sociais engajados no clima, a exemplo do Instituto Perifa Sustentável, com sede em São Paulo, projeto que tem ganhado destaque na mobilização das juventudes. A premissa é que grupos sociais mais vulneráveis, como minorias étnicas e comunidades de baixa renda, sofrem as maiores consequências das alterações climáticas, como os constantes deslizamentos nas encostas que, devido à intensificação da chuva, soterram e destroem casas construídas nas periferias, enquanto os condomínios não são afetados. Um estudo realizado pelo Instituto Pólis, em 2022, revela que 37% da população paulista é negra; já nas áreas com risco de deslizamento, a proporção é de 55%. O dado demonstra uma consequência climática desigual entre as populações.

Há também uma conexão com a justiça social. Eloy explica: “No Brasil, os catadores, uma população que vive em condições quase miseráveis, são responsáveis pela coleta de 80% dos plásticos recicláveis das cidades, enquanto recebem salários inferiores aos das empresas contratadas pelas prefeituras, que detêm acordos milionários e coletam apenas 20%”. Para o ambientalista, dar melhores condições e salários para quem faz grande parte da coleta e reciclagem também é fazer girar a roda da justiça ambiental. No entanto, essa é apenas uma das várias possibilidades para uma logística urbana sustentável.

A participação dos jovens nos debates e na formulação de políticas públicas é fundamental. Eles trazem a vitalidade em ideias inovadoras e soluções criativas. O Atlas das juventudes, publicado em 2021, levantou que pessoas entre 15 e 29 anos “priorizam a agenda ecológica local”, ou seja, agem em espaços de pertencimento e do cotidiano. É um olhar distante das pautas de maior escala, mas que estimula a busca de soluções por caminhos mais sustentáveis, considerando os grupos sociais vulneráveis. Mas há grupos mobilizados que pedem participação nos grandes encontros pelo clima. A sueca Greta Thunberg é a maior referência jovem no ativismo climático e deu início ao movimento Fridays for future, que segundo a própria organização, reúne cerca de 14 milhões de estudantes no mundo todo.

Deslizamento de terra causado por tempestades no município de Petrópolis, RJ. Foto: Thomas Mendel / Greenpeace.

O ativismo, a mídia e as políticas internacionais voltadas para a causa climática se fundamentam na ciência: dados atualizados, informações verificadas e consulta a cientistas. As pesquisas realizadas nas universidades circulam nos laboratórios e salas de aula até serem divulgadas. Mesmo assim, não chegam a todas as pessoas. O negacionismo, a desinformação e até uma comunicação acadêmica deficitária fazem parte do problema, mas não formam o todo. Uma informação correta pode chegar à pessoa desejada pelo interlocutor certo. E muitos encontram autoridade em um líder religioso. Nos terreiros, as falas de uma mãe de santo abordando as mudanças climáticas podem surtir maior efeito do que as de um cientista; para um cristão, as orientações de um sacerdote podem ter maior significado, e para um muçulmano, as palavras de um xeque ou imã podem ser mais impactantes que uma tese.

Alguns ativistas reconhecem nessa abertura um espaço oportuno de conscientização e o adotam no movimento pelo clima. Eles não utilizam a crença como palco, mas como também são praticantes da fé, enxergam nela um papel de cuidado que inclui a natureza. “A ecologia tem um apelo grande nessa geração. Os jovens assumem causas. Tivemos há pouco tempo [em 2017] o tema da ecologia na Campanha da Fraternidade e alguns grupos simplesmente saíram limpando o rio, motivados pela fé”, relata o padre Alexsander Cordeiro Lopes, ex-coordenador da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Curitiba e autor da pesquisa de mestrado sobre juventude e religião: Processos de subjetivação de jovens católicos: cartografia de uma comunidade paroquial, documento que se tornou referência.

No triângulo desta reportagem estão as histórias de Rayana, Natan e Omar, três jovens que têm na religião a base de seus ativismos climáticos. Escolha por qual começar e boa leitura: