Há 14 séculos, o ambientalismo encontra inspiração em Muḥammad

Um dos princípios de Omar é a sustentabilidade, herança que veio do pai e do Alcorão

Em uma sala de aula, a lousa substitui o cartaz e um giz toma o lugar do megafone. É nesse ambiente que Omar Santiago Lakis tem canalizado seu ativismo nos últimos anos. E assume dois papéis: aluno e professor. A educação aparece como um pontapé nos estudos e como forma de compartilhar a discussão climática com a geração posterior — a Z (ele entra na “Y” por poucos meses). Biólogo formado pelo Centro Universitário FMU [Faculdades Metropolitanas Unidas], ele trabalha com biomonitoramento e iniciou o mestrado, foi à Amazônia para pesquisar na área das mudanças climáticas.

Só ao final da graduação, em 2019, Lakis teve o chamado start e passou a compreender a urgência da pauta do clima, começou a pesquisar a causa e os movimentos envolvidos. A surpresa foi perceber que as pessoas ao seu redor, inclusive no ambiente de estágio na Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, não abordavam o tema com a devida atenção. Pensou: “Bom... então preciso começar. Preciso falar com o pessoal da mesquita, da minha casa, do meu bairro e com todos que conheço".

De jovem para jovem, Omar, 27 anos, trouxe o tema da emergência climática para quase 1,4 mil alunos das escolas estaduais em Cotia, por meio do Projeto de Apoio à Tecnologia e Inovação (Proatec). Da sua experiência, ainda os vê bem distantes da discussão da pauta. Torna essa sua missão: ampliar o conhecimento ambiental de adolescentes e engajá-los a construir mudanças. "Professor, mas como, sendo menores de idade, podemos ser ativistas? Não podemos ir para a rua", indagam. E o biólogo responde espelhando as próprias ações: “Vamos mobilizar as redes sociais e compartilhar o assunto. Levar a discussão para outras pessoas te torna um ativista”.

Mesmo na infância, sem ter muita noção do que significava mudanças climáticas (o termo ainda não era tão utilizado), Lakis já demonstrava interesse em estudar meio ambiente. A consciência sobre a produção e o consumo excessivo era fomentada dentro de casa. Seu pai praticava a separação de lixo e engajava diálogos sobre poluição com a família. Além disso, ele aprendia na escola sobre o aquecimento global, o desperdício de água, sustentabilidade e outros assuntos ambientais que, à época, não tinham o status emergencial de hoje.

O ativista nasceu na capital de São Paulo, mas cresceu sob a cultura mediterrânea devido à ascendência libanesa da mãe, que se mudou para o Brasil quando tinha 7 anos de idade. O pai possui uma origem mestiça, sendo filho de libanês com mãe pernambucana. A influência fez com que Omar praticasse a religião predominante no Líbano, o Islã. "Meus pais me levavam à mesquita, mas nunca me proibiram de conhecer outras religiões. Tenho vários colegas, amigos, primos e até mesmo minha esposa, que têm outras crenças, mas desde criança, sempre frequentei a mesquita, em especial a de São Miguel Paulista", relata Lakis.

O Islã orienta sobre como os muçulmanos, que consideram o Alcorão a palavra literal de Deus (Alá, na terminologia árabe), devem interagir com o meio ambiente. Em vários aspectos, esses princípios seguem uma linha semelhante à do cristianismo. Afinal, como aponta Omar, "é o mesmo Deus". Os praticantes acreditam que Alá criou o ser humano e o concedeu privilégios em relação às outras criaturas, como o raciocínio e o livre-arbítrio. Capacidades concedidas para que as pessoas exerçam uma administração responsável dos recursos da Terra, em conformidade com os parâmetros divinos.

O xeque Adam Muhammad escreveu no Guia fé no clima que o profeta Maomé provavelmente foi o primeiro homem na história a estabelecer espaços de proteção ambiental. Há 1445 anos, ele designou um cinturão de 19 quilômetros ao redor da cidade de Medina, hoje Arábia Saudita, onde era proibido o corte de árvores e a caça de animais. Repetiu o feito no vale Wajj, na cidade de Taif, que fica no mesmo país. Mas há também outras passagens do profeta que, se seguidas, proíbem ações que prejudicam a natureza, como o desperdício e a poluição do ambiente compartilhado.

Para Omar, falta consciência ambiental e mais interesse nas juventudes pelo tema. Foto: Pedro Carcereri/Old Man Artes.

"No Islã, aprendemos que é pecado poluir um rio, jogar resíduos no chão ou maltratar um animal. Desde criança isso é muito forte para mim e, nessa perspectiva ambiental, meus três pilares são a religião, a escola e meu pai", conta o ativista. No entanto, ele diz que nem todos os muçulmanos seguem as premissas deixadas pelo profeta Muhammad. "Infelizmente, hoje vejo praticantes muito distantes disso", desabafa, ao citar incongruências dentro dos templos, como, por exemplo, quando fiéis fazem o descarte incorreto de copos, deixando o plástico jogado em qualquer lugar, ou ainda diante da falta de interesse pelo tema das mudanças climáticas.

Omar vê com esperança a influência dos líderes religiosos — no Islã sunita não existe uma hierarquia sacerdotal centralizada — na contenção das mudanças climáticas, mas aponta a necessidade de capacitá-los nas questões atuais do tema. "A fala de um líder religioso é absorvida muito mais do que a fala de um cientista, mesmo que este traga informações e dados. Os líderes devem falar sobre isso, porque precisamos, com urgência, colocar essa mensagem no coração das pessoas", destaca.

Lakis identifica em São Paulo problemas que serão agravados pelas mudanças climáticas, se nada mudar, como enchentes, deslizamentos, ilhas de calor e proliferação de doenças. Foto: Pedro Carcereri/Old Man Artes.